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"O Dharma em Westworld”


Antes de tudo uns esclarecimentos: a Fundação “Tricycle” é uma organização educacional sem fins lucrativos dedicada a tornar os ensinamentos e práticas budistas amplamente disponíveis. Uma das suas ferramentas é a revista “Tricycle: The Buddhist Review”, a primeira revista destinada a apresentar perspectivas budistas a um leitor ocidental. Tanto a revista quanto a fundação são DESVINCULADAS com qualquer professor particular, seita ou linhagem, Triciclo fornece um fórum público único e independente. Dito isto, segue a matéria produzida pela própria e traduzido, mal e porcamente por mim.


Neste mundo, os seres reencarnam uma vez e outra vez, muitas vezes repetindo os mesmos "laços" (“loops”, circuito ou sequências narrativas) habituais através de dezenas de vidas. Apenas alguns despertam para a verdade: que esses hábitos os mantém afastados da liberdade e que seus "eus" são realmente apenas os resultados de “causa e efeito”. Não há um eu separado, não existe nenhuma alma. “Consciência” é realmente apenas uma série de fenômenos vazios rolando, dependente de condições, como um “piano mecânico” altamente complexo.
Que mundo é esse? Uma mandala budista? Não, Westworld, a estrondosa série da HBO que concluiu sua temporada de 10 episódios esta semana. Debaixo de sua superfície distópica, de ficção científica, o show é uma das mais fascinantes reflexões sobre o dharma que eu vi na cultura popular americana.
A premissa de Westworld - baseada em um filme dos anos 70, mas significativamente alterada - é um parque de diversões para adultos cheio de robôs construídos tão perfeitamente que são quase indistinguíveis dos seres humanos. Sobre o arco da 1ª temporada - que eu tenho receio de estragar com SPOILERS completamente - um punhado de robôs designados por "hosts" (anfitriões) “despertam” para a natureza ilusória de sua existência e começam a se rebelar.
Mas esse despertar é apenas o primeiro em uma viagem complicada de auto-descoberta, ou talvez não-auto-descoberta, por parte dos protagonistas robos. A princípio, Westworld aborda um tema de ficção científica um pouco familiar: o que diferencia uma AI – inteligência artificial - avançado de um ser humano? Este é um tema antigo, que remonta ao “ANDROIDES SONHAM COM OVELHAS ELETRICAS?” - DE DICK, PHILIP K mais conhecido como Blade Runner, e Arthur C. Clarke 2001: A Odisséia no Espaço.
O Westworld, porém, aumenta as apostas. Os visitantes humanos do parque se comportam como animais, principalmente violando os anfitriões ou matando-os. ("Violação" pode ser muito violenta em alguns casos, mas uma vez que os anfitriões foram programados para não ter condição de resistir, mesmo que eles certamente não podem consentir). Somente, não é “estupro” ou “assassinato”, porque os anfitriões não são humanos. E eles são reconstruídos a cada “loop” de narrativa, e suas memórias são (na maioria das vezes) apagadas. Assim, nenhum dano pode ser lembrado, portanto nenhuma falta, certo?
Bem, talvez. Primeiro, fica claro que os visitantes humanos são depravados por sua conduta prejudicial. Os robôs não poderiam ser “prejudicados”, mas os seres humanos estão imersos em um mundo onde podem perseguir seus desejos mais profundos sem a sensação de conseqüências. Os robôs são programados para não matar ou ferir gravemente os humanos, e algumas pessoas descobrem possuir um lado seu muito mais obscuro do que esperavam encontrar. Tudo gera conseqüência. Na verdade, só no último episódio nós aprendemos que uma das histórias de um arco tinha de fato ocorrido 35 anos no passado e seu herói inocente evoluiu para o vilão mais sinistro do show.
Segundo, à medida que a série se desenrola, começamos a suspeitar que os hospedeiros estão conscientes de si mesmos e que o sofrimento que eles parecem experimentar também é percebido como real. O quebra-cabeça dominante da série é "o labirinto", que não é um verdadeiro labirinto, mas uma jornada psicológica que um dos idealistas do parque, conhecido como Arnold, criou como um caminho gradual para o “despertar” dos anfitriões. No centro do labirinto está a consciência do “eu”.
Só que não funciona assim. De fato, ambos os hosts "despertados" do show, Maeve (interpretada por Thandie Newton) e Dolores (interpretada por Evan Rachel Wood), descobrem que até sua “liberdade” é resultado da programação.
Maeve desperta, persuade dois engenheiros infelizes do Westworld para aumentar suas habilidades cognitivas e traça sua fuga - apenas para descobrir que o desejo de escapar foi, por si só, implantado em sua programação a décadas... Ela está cumprindo seu karma; Seu livre arbítrio é uma ilusão.
No clímax da série, Dolores descobre que a voz dentro de sua cabeça, que ela pensava ser a de Arnold - basicamente, para ela, a “voz de Deus” - era realmente “sua” voz. Deus é uma invenção do cérebro humano, um nome que damos a uma faculdade de nossas próprias "mentes bicamerais". E quando Dolores percebe isso, ela percebe que ela tem consciência de sua interioridade.
Mas ela “não tem” um “eu separado”. Arnold estava errado ao pensar que Dolores se descobriria como um eu separado e consciente no centro do labirinto. Em vez disso, ela descobre com Robert Ford, o malvado parceiro de Arnold (interpretado por Anthony Hopkins), que lhe diz em um ponto: Arnold nunca poderia encontrar a "centelha" que separa os humanos dos robôs porque, de fato, não existe uma.
A “interioridade” de Dolores não é menos real que a sua ou a minha. Os seres humanos são tão "robóticos" quanto os robôs: motivados por desejos codificados em nosso DNA, cumprindo nossa programação genética e ambiental.
Karma, causas e condições.
E, na visão de Ford, os “anfitriões” (e Arnold) falham irremediavelmente em encontrar a auto-independência; mas até o final da série, ele está do lado dos robôs.
Isso significa que nada importa?
De modo nenhum. Só porque não há um “EU” independente não significa que o sofrimento não tem importância. Pelo contrário, Ford vem a perceber que Arnold tinha certeza de que o sofrimento é constitutivo do que consideramos ser identidade. Como ele diz a Dolores no final da temporada:
"Foi a percepção-chave de Arnold, a coisa que levou os anfitriões ao seu despertar: o Sofrimento. A dor que o mundo não é como você quer que seja. Foi quando Arnold morreu, quando eu sofri, que comecei a entender...”

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